Diário da Pandemia – 105º dia

Posted in Balaio pop with tags on julho 2, 2020 by Schaffner

Quando o mundo começou a parar, lá no início da quarentena, o argentino Juan Manuel Ballestero bordejava por Porto Santo, uma ilhota de 42 km² e 5 mil habitantes em Portugal. Ballestero podia ficar curtindo as águas cálidas do arquipélago, um território praticamente incólume ao coronavírus. Mas ele sabia que os pais não estavam a salvo. A incerteza com a saúde da família fez do argentino um Forrest Gump pandêmico. A diferença foi a prudência. Se o herói improvável do cinema salta do barco e vai a nado cuidar da mãe, Ballestero pôs-se ao mar na segurança do seu veleiro de 9 metros de comprimento. Na saída, foi alertado pelas autoridades: se algo desse errado, não poderia retornar. Ele nem pestanejou. Apanhou algumas latas de atum, arroz e frutas e partiu sozinho em 24 de março. “Eu não queria ficar como um covarde em uma ilha onde não havia casos. O mais importante para mim era estar com minha família.”

Foram 8 mil quilômetros na imensidão do Atlântico, com pouca comida e combustível. Por vezes até o vento escasseava. Notícias de terra firma, só à noite, pelo rádio. Quando a solidão parecia incontornável, golfinhos fagueiros emergiam d’água num salto e passavam a nadar ao lado do barco, na melhor companhia possível naquele azul infinito em que o mar se confunde com o céu. Quase na chegada, um susto provocado por uma onda gigantesca avariou o veleiro e ele precisou fazer uma parada de emergência em Vitória, no Espírito Santo. Ballestero chegou em Mar del Plata dia 17 de junho, 85 dias após a partida. Deveria ficar ainda duas semanas dentro do barco, em quarentena, mas foi submetido a teste pelas autoridades médicas e o resultado negativo lhe permitiu passar o domingo de Dia dos Pais, dia 21 na Argentina, abraçado à família.

Ontem eu disse que o ciclone-bomba tinha assustado mais pelo nome do que pela aparição. Ele ainda andava por aí e deu no que deu. Não se pode subestimar a natureza, É preciso respeitá-la. E às vezes nos entregarmos a ela.  

Diário da Pandemia – 104º dia

Posted in Balaio pop with tags on julho 1, 2020 by Schaffner

Os meteorologistas alertaram para a passagem de um ciclone-bomba pelo Estado hoje. Só pelo nome, era fácil intuir que coisa boa não podia ser. Parece que o bicho ainda está aí por cima e deve fazer mais estragos nessa madrugada e amanhã. Por enquanto, já teve chuvarada, queda de granizo e vento acima de 100 quilômetros por hora, com casas destelhadas e alagamentos. O redemoinho assustou e por causa dele uma pessoa morreu, soterrada por um deslizamento de terra. Toda vida perdida é uma tragédia, mas é preciso admitir que o fenômeno gerou mais medo pelo nome do que pela própria aparição. Ou então talvez estejamos acostumados com tanta desgraça que nem mesmo um ciclone que carrega bomba no sobrenome nos comove ou apavora. Pois enquanto despencava água do céu, mais 32 vítimas da covid entravam para o livro dos mortos no Estado. Foi o recorde de letalidade registrada num único dia por aqui. E está longe de acabar.

Uma projeção da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) aponta para o pico da pandemia no Brasil somente em agosto. Até lá, sustentam os epidemiologistas, teremos quase 90 mil mortes. “Os números só serão esses se os países não mudarem suas respostas”, alertou a diretora-geral da Opas, Carissa Etienne. O aviso surgiu no mesmo dia em que veio à tona um estudo interessante sobre a relação pandemia x ideologia. Pesquisadores da Universidade Federal do ABC, da USP e da Fundação Getúlio Vargas descobriram que toda vez que o presidente minimizou os riscos da peste, o isolamento diminuiu e as mortes aumentaram, sobretudo nas cidades em que ele tinha mais eleitores. Ou seja, dar ouvidos a Bolsonaro pode ser fatal.

Gosto muito da epígrafe cunhada pelo escritor britânico Tony Parsons em Disparos do Front da Cultura Pop, livro em que reúne suas memórias de duas décadas no jornalismo cultural. “Fique perto das coisas que ama. E leve um bastão de beisebol para o resto”, escreveu o autor, um iconoclasta febril. Para manter o aforismo em consonância com os tempos atuais, talvez falte apenas incluir protetores de ouvidos e uma máscara aos apetrechos indispensáveis sugeridos por Parsons para enfrentar “o resto”. Aqui no Estado, convém levar também um guarda-chuva.

Diário da Pandemia – 102º dia

Posted in Balaio pop with tags on junho 28, 2020 by Schaffner

Fez 38ºC na Sibéria, sábado passado. Sim, na Sibéria. Foi em Verkhoiansk, uma cidadezinha conhecida pelo apelido de “polo norte do frio”. Reza a lenda que os 1.434 habitantes, roupa pouca e sorriso largo, se olhavam incrédulos ao passear pelas largas e desabitadas ruas do vilarejo. Calor em Verkhoiansk é pouco mais de zero grau. Num ano normal, a temperatura em Verkhoiansk varia de -41ºC, no inverno, a 20ºC, no verão. Em novembro, os termômetros que não congelaram haviam registrado -60ºC. E tu aí, reclamando do frio.

As condições extremas da Sibéria fizeram da região um repositório de exilados políticos. Bastava alguém reclamar mais alto que o tirano de plantão bania o sujeito para lá de caixa prego, onde o Sete-pele perdeu as botas. No caso, a longínqua e inóspita Sibéria, cujas masmorras abrigaram de punguistas ordinários a intelectuais refinados. Dostoiévski passou quatro anos por lá, a mando do czar Nicolau I. Na volta, escreveu Memórias da Casa dos Mortos. Outro desterrado ilustre foi Soljenítsin, condenado por escrever cartas a um amigo nas quais criticava Stalin. Tamanha ousadia lhe valeu oito anos de trabalhos forçados em campos de concentração, martírio coletivo descrito no monumental Arquipélago Gulag.

Ainda há prisões na Sibéria e o regime Putin não é muito afeito à democracia, mas é preciso reconhecer que as condições carcerárias melhoraram bastante. Sobretudo com o atual calorzinho e um sol amigo sempre à espreita. Nessa época do ano, acontece por lá o chamado “sol da meia-noite”. De 29 de maio a 15 de julho, o sol nunca se põe, no máximo se esconde um pouquinho. Pensei que Verkhoiansk seria um bom lugar para estar nas próximas semanas, quando devemos enfrentar por aqui a longa noite da pandemia. Li em algum lugar que a emergência climática que elevou a temperatura local também causou a proliferação de uma borboleta siberiana que ataca as árvores, podendo devorar um pinheiro gigante em poucas horas. Não parece muito ameaçador para quem está à mercê do vírus e de uma nuvem imensa de gafanhotos. Ainda mais agora que descobriram entre nós a presença de morcegos chupadores de sangue. Tudo que eu menos precisava era um vampiro numa hora dessas.

Diário da Pandemia – 101º dia

Posted in Balaio pop with tags on junho 28, 2020 by Schaffner

Virou a centena, virou o sistema. Com quatro meses de pandemia, parece que vem mesmo aí o famigerado lockdown. Se o Sant’Anna estivesse vivo, diria que pretiou o olho da gateada. Das 20 regiões do Estado, nove estão sob alerta vermelho. Nelas, vivem 7,5 milhões de gaúchos, dois terços da população. Nas próximas semanas devemos ter o pico da ocupação hospitalar, com a covid e outras síndromes respiratórias derrubando gente às mancheias. O inverno prenuncia-se inclemente. Não há alternativa fora da clausura, O vírus mata, mas não caminha. Quanto mais gente circulando, mais morte à espreita, multiplicando-se em dedos e mãos e espirros e máscaras mal colocadas. Nas minhas poucas andanças por aí, vejo que máscara segurando a papada já virou démodé. O novo hit agora é usar pouco abaixo do topo do nariz, as narinas desnudas flertando com o perigo.
Às vezes eu passo por pessoas com máscara mal ajambradas no rosto e fico louco para dar um toque, no velho estilo simancol. Lembro do modelo de metas e promoção pessoal lá da firma, em que o funcionário pode convidar colegas a avaliá-lo. Uma das questões contempladas é o que a pessoa deve deixar de fazer. Trata-se de uma pergunta delicada, requer tato e diplomacia na resposta, sobretudo porque quem te convidou certamente espera ler boas palavras sobre si próprio. Com a devida vênia sanitária, em tempos pandêmicos talvez caiba deixar a fidalguia um pouco de lado e ser mais explícito: parar de andar por aí exibindo o nariz. Na questão seguinte, “o que fulano deve continuar fazendo?”: mantendo distância prudencial de 2 metros. Não pode haver muito melindre quando se trata de saúde pública.
Até aqui, foram 554 mortes no Estado, menos de 1% do total de óbitos do país. À primeira vista, parece ser um índice baixo, quiçá aceitável diante de 1,3 milhão de casos Brasil afora, 55 mil passamentos. Mas toda vida perdida é uma tragédia particular. E cabe a cada um de nós ajudar a proteger o outro.

Diário da Pandemia – 100º dia

Posted in Balaio pop with tags on junho 28, 2020 by Schaffner

A maior inimiga da verdade não é a mentira, mas a convicção, dizia Nietzsche. Pois bem, tenho cá minhas convicções. A mais intima é de que jamais serei o mesmo depois dessa quarentena. Não sei se vou sair vivo do confinamento, mas certamente não será o mesmo Fábio que começou esse diário no já longínquo 19 de março. Resolvi começar a escrever de nervoso. Porto Alegre recém havia registrado o primeiro caso de covid e um dia depois a prefeitura já declarava que o vírus estava tão espalhado que não era mais possível saber quem pegou de quem. Me senti encapsulado pela angústia. Para piorar, fui agradecer à senhora da limpeza que passou álcool na minha mesa e ela contou que recém havia sido demitida. Foi o soco inaugural da pandemia.
Desde então, só vejo a situação piorar. Foram 100 dias de nervosismo, ansiedade, medo, 100 noites de sonhos intranquilos. Não acordei metamorfoseado num inseto, mas com frequência me sinto uma barata tonta. Acho que estou mais solidário, porém bem menos tolerante. Me irrito com rara facilidade, me emociono com frequência incomum. Só deixei de escrever um dia, quando todos esses sentimentos se misturaram de forma inédita e inaudita. Há silêncios prudentes e silêncios eloquentes. Eu berrei pra dizer que iria ficar quieto. Sintomático. Nada é fácil nessa quadra obscura da existência. Mas tudo fica mais ameno quando você acorda e é aniversário de Gilberto Gil. Andar com fé eu vou, que a fé não costuma faiá.

Diário da Pandemia – 99º dia

Posted in Balaio pop with tags on junho 28, 2020 by Schaffner

Hoje acordei e já no instinto liguei o rádio, como todos os dias. Foi um susto. O Scola estava ancorando o Atualidade do CTI do Hospital de Clínicas. Provavelmente foi a primeira vez na história que um programa foi transmitido de dentro de uma unidade de tratamento intensivo, ao vivo, em meio a uma pandemia assassina. Não foi uma intrusão, tampouco sensacionalismo, como podem sair apedrejando os afoitos de sempre. Foi um choque de realidade, um documento para a história. Dos 70 pacientes que já passaram por ali, dois terços precisaram de ventilação mecânica, metade teve de passar por hemodiálise. Os que estão nos respiradores precisam de cinco a seis bombas de infusão ligadas ao corpo para receber medicamentos. De cada 10 pacientes que entram, três não voltam para casa. A média de idade dos internados é de 59 anos, mas nos 52 leitos ocupados há 12 pessoas com menos de 40 anos, todos sem nenhuma comorbidade prévia. É gente jovem, sadia. Uma das pacientes é uma menina. Tem pouco mais de 30 anos. Está grávida, com 28 semanas de gestação. O marido, também com covid, está internado em outro hospital. Ela está em estado grave, o bebê está bem. Os médicos mantêm cuidados extremos para, se for necessário, fazer o parto a qualquer momento.
A todo momento, os profissionais entrevistados pelo Scola alertaram para a sobrecarga desumana de trabalho, o estado delicadíssimo de saúde de cada paciente. Em cada leito, eles colaram fotos dos familiares, para que o rosto da mãe, do pai, do marido ou dos filhos seja a primeira imagem a ser vista no retorno à consciência.
Amanheceu chovendo bastante hoje. Foi como se a alvorada fizesse desabar do céu lágrimas incontidas pela trágica morte da quingentésima vítima da covid no Rio Grande. Num dia já triste pela marca funesta, com a natureza tingindo de cinza a paisagem lúgubre, foi emocionante ouvir os relatos de quem enfrenta a morte para salvar a vida alheia. O vírus está aí, por tudo, até nos esgotos se embrenhou. Cuidem-se. A melhor forma de homenagear pessoas tão incríveis e dedicadas como os funcionários do Clínicas é não chegar lá espirrando.

Diário da Pandemia – 98º dia

Posted in Balaio pop on junho 28, 2020 by Schaffner

Não basta se cuidar para não pegar covid. Não dá para pegar nada. Qualquer infortúnio pode virar pretexto para o bicho se instalar no corpo alheio. Nem o Tio Barnabé escapou. Aos 79 anos, o ator Gésio Amadeu está internado em São Paulo, precisando de transfusão de sangue. Amadeu interpretou na TV o preto velho do Sítio do Pica-pau Amarelo. Sofreu uma crise de pressão alta em casa, procurou ajuda no hospital e acabou contaminado. Já passou por respirador e até hemodiálise. Simpático, sempre risonho entre as cachimbadas e escolado nos mistérios da floresta, Tio Barnabé ensinou o Pedrinho a capturar o Saci e sabia como escapar da Cuca. Mas não conseguiu driblar o coronavírus. A primeira morte por covid de Santana do Livramento também foi assim, colateral. A brigadiana Liliana Quintana tinha apenas 35 anos e se acidentou de carro. Internada em estado grave por causa dos ferimentos, teve uma perna amputada e tinha melhorado bastante. Infectada dentro do hospital, não resistiu.
Eu tô me cuidando como nunca. Como tenho destreza incomum para quebrar copos, já pensei em passar a beber só em recipientes de plástico a partir de agora. Melhor aquele gosto de polímero do que arriscar abrir a mão num caco de vidro e precisar correr ao pronto-socorro. Levei minhas filhas para tomar vacina da gripe, dia desses. É absurdo o grau de angústia que a gente sente por estar no mesmo ambiente em que pode haver pessoas doentes. Era um posto de saúde super equipado, repleto de cuidados preventivos. Mas o nervosismo foi tão grande que parecia possível apalpar a tensão no ar. Há quem diga que está acabando, o pior já passou. Não é bem assim. Ontem São Paulo registrou recorde de mortes, 18 semanas após o primeiro caso. Já são quatro meses de pandemia e um estudo do Imperial College, de Londres, mostra que a taxa de contágio parou de cair. O número de novos casos estava em desaceleração e voltou a crescer, fruto da abertura dos últimos dias. Lembre-se de Blumenau, cujos shoppings reabriam ao som de saxofone e agora o prefeito está desesperado pedindo ajuda. Não deixe se iludir pelo calor lá fora. Não existe primavera antes do inverno.

Diário da Pandemia – 97º dia

Posted in Balaio pop with tags on junho 23, 2020 by Schaffner

Passado o momento crítico da pandemia, as fronteiras estão na iminência de reabrirem. Na Europa, óbvio. E não para os brasileiros, claro. Nos tornamos persona non grata, párias internacionais. Não é de agora. Começou quando um terraplanista assumiu o Ministério das Relações Exteriores. Tal qual a covid, essa estranha percepção da realidade também parece ser contagiosa. Nosso terraplanismo antes era puramente astronômico. Algumas pessoas do governo, a despeito da presença de um astronauta na Esplanada, acreditam que a terra é chata. Chata no sentido de plana, não de entediante, que fique bem claro. Não tardou para o terraplanismo infectar a política externa. Nossa diplomacia, até então reconhecida mundialmente pela sobriedade e disposição conciliatória, foi infectada por uma oposição ferrenha ao multilateralismo. Esse consagrado conceito de cooperação internacional passou a ser demonizado nos corredores do Itamaraty, onde ganhou o apelido de globalismo – uma espécie de comunismo da diplomacia.
Do terraplanismo astronômico e diplomático ao sanitário foi um passo. Bastou chegar a pandemia, aqui também conhecida como “gripezinha”. O comportamento negacionista do governo no combate à peste ajudou bastante no veto alfandegário. O resultado está aí. Quando a Europa se abrir ao mundo, a partir de 1º de julho, cidadãos do Brasil, Rússia e Estados Unidos serão barrados. Em comum, a leniência de seus presidentes no enfrentamento à covid. A degradação da imagem no Exterior, contudo, vai além da proibição de entrar na Europa. Há ainda uma fuga dos estrangeiros. Apavorados com nosso terraplanismo ambiental, investidores internacionais estão deixando o país. O desmatamento e a legalização da grilagem levaram 30 instituições financeiras a mandar um recado ao governo: a destruição precisa parar. No bolso, o grupo carrega nada menos do que 3,75 TRILHÕES de dólares.

Também não dá para dizer que não atraímos ninguém. Nos próximos dias chega por Uruguaiana uma nuvem de gafanhotos. É uma praga capaz de devorar num único dia a mesma quantidade de pasto que 2 mil vacas. Periga faltar comida pro gado.

Diário da Pandemia – 96º dia

Posted in Balaio pop with tags on junho 23, 2020 by Schaffner

Voltamos ao início de tudo, quando a clausura se justificava pelo temor de uma doença que ninguém conhecia. Agora retornamos ao confinamento quase absoluto, mas cercado de mortes por todos os lados. Foram 25 óbitos nas últimas 24 horas, mais de um por hora, recorde absoluto no Estado. Não há remédio, vacina, nem mesmo um tratamento eficaz que possa ser considerado padrão. Para piorar a situação, há uma profusão de surtos localizados, cada vez mais profissionais de saúde contaminados, escassez de leitos e equipamentos. Até sedativo para o paciente ser entubado está em falta. Porto Alegre deve parar nos próximos dias. Não é lockdown, mas quase. Deveria ser. Aqui em casa já é. Estou até lamentando que o Dobby não faz xixi nem cocô dentro de casa, pois se fizesse certamente as voltas na quadra seriam bem reduzidas. É um medo que eu não sentia, sei lá, desde o vigésimo, trigésimo dia da pandemia. Perguntei a um amigo que trabalha na Secretaria da Saúde quando isso acaba. Em julho, respondeu. Achei otimista demais. Ele disse que não sabe se é palpite ou torcida.

Essa é a maior angústia dessa doença: a incerteza. Ninguém sabe nada. De vez em quando, surge algum fio de esperança. Agora dizem que cientistas brasileiros e americanos estão usando vacas e cavalos para a produção de soro com anticorpos. É um experimento parecido com o que usa plasma de pacientes curados. Como os animais são maiores, em tese poderiam produzir uma quantidade maior da substância. Não é nada para agora, pesquisas assim costumam levar um tempo. Mas é outra porta que se abre. Diante de tanto animalismo que tenho visto na discussão dessa praga toda, chega a ser uma ironia antes mesmo de uma cura.

Diário da Pandemia – 95º dia

Posted in Balaio pop with tags on junho 21, 2020 by Schaffner

Esse é o primeiro domingo em um mês que eu não trabalhei. Nos últimos três finais de semana, cobri manifestações contra e a favor do governo. Hoje teve de novo, mas foi ótimo poder ficar em casa, ainda mais sem nada para fazer. Fora as saídas diárias com o cão, não pretendo ir a lugar algum nas próximas duas semanas. De preferência, nem ao supermercado. Fui ontem e fiquei assustado como há tempos não acontecia. Porto Alegre estava num embalo dissonante, com a pandemia aparentemente controlada. Não está. Piorou e a previsão é bem ruim para os próximos dias. E ainda tem a chegada do inverno. Hoje fez quase 30ºC, um dia lindo, mas eu não sabia se ficava triste ou feliz. O calor leva as pessoas para as ruas, acelerando o contágio. O frio aumenta os casos de gripe, pneumonia, todas as doenças respiratórias. Há um estudo circulando com dados aterradores. Para cada 10 mortes por covid, há outras oito associadas à síndrome respiratória aguda grave. Os sintomas são os mesmos. E não há garantia de que esses óbitos não tenham sido causados pelo coronavírus. Se forem, e é bem provável que sejam, estariam chegando a 100 mil mortes, uma tragédia de proporções inimagináveis. E pensar que ainda tem gente falando em falsificação de mortes por covid. O que há é uma subnotificação imensa, muita gente sucumbindo à peste sem entrar nos registros oficiais, sobretudo agora que a doença migrou com força para o interior do país. E nos grotões a ignorância campeia. Ontem em Vacaria um jaguara insistiu em entrar sem máscara num mercado. O dono não deixou. Recebeu duas facadas e reagiu aos tiros. Matou o idiota e foi em estado grave para o hospital. Esse é o nível da sandice que nos cerca, muitas vezes estimulada pelos governantes. Em Vacaria, o prefeito se acha acima da lei e não obedeceu às restrições da bandeira vermelha. Em Brasília, o presidente vestiu luto. Mas não foi por nenhuma vítima da covid. Ele viajou ao Rio participar do velório de um militar que se acidentou de paraquedas. Sobre as 50 mil mortes oficiais pela pandemia, nenhuma palavra ou gesto, por mínimo que seja. Se o Brasil fizesse um minuto de silêncio para cada vítima, seriam 35 dias de mudez ininterrupta.

Diário da Pandemia – 94º dia

Posted in Balaio pop with tags on junho 21, 2020 by Schaffner

Voltei. Se não à timeline, pelo menos ao papel. Não sei se vou publicar algo hoje, ou pelos próximos dias, ou até o fim de tudo isso – se em algum momento tudo isso tiver um fim. Mas sei que preciso escrever. É quase orgânico. Começou como registro memorialístico e hoje é necessidade mental. Bastou um dia para surgir uma síndrome de abstinência. Voltei também porque tudo piorou. Minha semana já havia sido bem ruim, com meus próprios demônios em combustão. Nesses três meses de quarentena, nunca estive tão desacorçoado. E se aqui dentro está complicado, lá fora a tormenta chegou com força. Um milhão de casos, 50 mil mortes, UTIs lotadas na Capital, cinco regiões do Estado sob bandeira vermelha. É como se tivesse morrido a população inteira de Tramandaí ou de Capão da Canoa, as maiores cidades do litoral. E o país há 36 dias sem ministro da Saúde.

Disseram que era bom ter militares no governo porque são muito suficientes, mas o general que obedece ordens por lá está sentado em cima de R$ 26 bilhões.  Nada menos do 66% das verbas para enfrentamento da covid estão paradas. Não é penúria, dinheiro tem. É incompetência mesmo. Enquanto o governo se omite, o gado muge e a patuleia berra, a praga se multiplica. O Brasil levou 67 dias para contaminar 100 mil pessoas e mais 47 para alcançar 1 milhão de casos. A velocidade de contágio é alucinante. Hoje, depois que Porto Alegre se abriu todinha, faceira porque a pandemia parecia controlada, o horizonte se tingiu de vermelho de novo. Vamos fechar as portas e abrir mais covas. Mandetta estava certo quando disse que o caos seria em junho. O país rem 12,5% de todos os doentes do planeta, 11% de todos os óbitos e apenas 2,7% da população mundial. Ainda vai piorar antes de melhorar. E depois ainda tem a crise econômica, para completar o serviço. Elegeram um Messias, mas quem dita o rumo do país são os cavaleiros do apocalipse: a peste, a morte, a guerra e a fome. Vai ver leram o capítulo errado da Bíblia.

Diário da Pandemia

Posted in Balaio pop on maio 21, 2020 by Schaffner

Estou escrevendo um diário da pandemia lá no instagram e no facebook. Já está no 64º dia e contando. Vou deixar aqui o capítulo de hoje. Leia, comente, opine. Não sei se continuo postando aqui, se deixo só lá. Não sei mais nada. Se você souber de algo, avisa aí…

E no sexagésimo-quarto dia, choveu. Não é a primeira vez que chove na quarentena. Tampouco deve ter sido a chuva mais forte. Diz o Leo que só na terça passada caíram do céu 36mm d’água, o maior acumulado do ano num único dia. Eu duvidei. Não lembro de nada disso. Mas o cara é bom repórter e mandou o link. A Débora ainda deu uma esnobada: contra fatos não há argumentos. Que seja. Na minha pandêmica realidade paralela, a chuva que conta foi a de hoje. Não foi forte, mas foi constante. Também não teve vento nem trovoadas, só um tom lúgubre envolvendo o dia cinza, como se a paisagem sombria marcasse o fim de uma época. Talvez seja apenas a despedida do veranico de maio. Faz mais sentido. Os dias estavam lindos demais lá fora para se viver em tamanha restrição.

Fiquei um tempo na janela, observando as pessoas encapotadas tentando desviar dos pingos grossos. Os cães rarearam e surgiram mais carros. Tinha menos gente e mais barulho na ruidosa equação de quem precisa sair à rua mesmo debaixo d’água e com o vírus à espreita. Diz que agora vai esfriar. The winter is coming e Deus que nos proteja, pois o tinhoso está à solta lá fora. O maior truque que o diabo já fez foi convencer o mundo todo que ele não existe. Basta ver a lotação do Barranco ontem à noite, com as mesas próximas e cheias de incréus. Foi assim também na Padre Chagas e na Cidade Baixa. Muito chopp e mesas espalhadas nas calçadas, cheirinho de enxofre by covid no ar.

Em Macondo, choveu sem parar durante quatro anos, onze meses e dois dias. “A atmosfera estava tão úmida que os peixes poderiam entrar pelas portas e sair pelas janelas, navegando no ar dos aposentos”, escreveu García Márquez. Em teoria literária, sparagmos é um recurso pelo qual o autor inflige um sofrimento cruel aos personagens, para depois redimi-los num horizonte iluminado. Na sequência de Cem Anos de Solidão, “numa sexta-feira, às duas da tarde, iluminou-se o mundo com um sol bobo, vermelho e áspero como poeira de tijolo e quase tão fresco como a água. E não voltou a chover durante dez anos”. Quem sabe a pandemia não é nosso sparagmos da vida real?

Voltei

Posted in Balaio pop on maio 19, 2020 by Schaffner

Então, nada como uma pandemia para trazer de volta velhos hábitos. Depois de vários anos afastado – depois eu checo quantos exatamente -, volto a fazer desse blog meu veículo para reinações diárias. Bora mergulhar no infinito…seggg

Qualquer semelhança…

Posted in Balaio pop on dezembro 15, 2014 by Schaffner

Um filme

Um comentário

Tinta sob pele

Posted in Figurino on maio 26, 2014 by Schaffner

Brisa

Posted in Estado de espírito on maio 26, 2014 by Schaffner

Duelo de bateras

Posted in Diversão, Música on maio 23, 2014 by Schaffner

O Jimmy Fallon chamou o Will Ferrel e o Chad Smith para um duelo de baquetas. Foi divertido e com um final matador.

 

Réquiem para o Garagem

Posted in Balaio pop, Libido, Literatura, Música, Nostalgia on maio 22, 2014 by Schaffner

 

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A inauguração propriamente dita, uma semanas após abertas as portas, foi com um show da Graforreia Xilarmônica. A despedida, com o casarão (bem mais) decrépito e já às escuras, foi uma noite após a saideira oficial, com uma roda de moleques tocando violão no centro do que havia sido a mais insana pista de dança da cidade.

Do gênese ao apocalipse, com suas devidas subtramas involuntárias, a história do Garagem Hermética é dissecada em A Fantástica Fábrica, saborosa biografia da lendária casa noturna de Porto Alegre. Durante oito anos, o 386 da Barros Cassal quase esquina com Independência pertenceu a Leo Felipe, um piá de 19 anos que tinha pela frente uma promissora (?) carreira de bancário quando decidiu abandonar o posto de operador de telex para abrir um bar. A família reprovou, os colegas de trabalho debocharam, mas Leo seguiu firme em sua inconsequência adolescente. Acabou erguendo um templo à esbórnia, à chalaça, um lugar onde as pessoas eram loucas e superchapadas, onde a essa altura da manhã já não importa o nosso bafo.

Pelo piso que “só não ruía porque balançava” do Garagem passaram bandas seminais do rock gaúcho, mas também a mais variada fauna de habitués do Bom Fim naqueles insepultos anos 90. O bairro era uma terra de ninguém, com traficantes, prostitutas e travestis dividindo espaço com punks, metaleiros e hippies nostálgicos, junkies das mais variadas estirpes rompendo a madrugada à espera da próxima dose – e do próximo atraque, embora todos reagissem com dissimulada indiferença às constantes e ostensivas batidas policiais. Alguma hora da noite, em geral nas derradeiras, fatalmente eles desembarcavam no Garagem Hermética, incendiando a madrugada com a irrefreável sede dos vampiros impertinentes. Nas noites mais loucas, nem mesmo os raios do sol que cozinhavam a manhã lá fora eram capazes de interromper a farra garageira.

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Leo era um guri que no trabalho besuntava os cabelos de gel para esconder as fartas melenas, mas sob a gosma e por detrás dos inocentes óculos de grau mantinha latejante a vontade de “ser um astro de rock ou pintor famoso ou poeta maldito ou qualquer coisa bem artística rebelde experimental, tipo morrer jovem e belo”. Acabou se tornando um totem da noite porto-alegrense, daqueles a quem a gente tanto presta reverência quanto golpeia com um machado à busca de lenha pro fogo. Não havia inocentes, tampouco salvação nas madrugadas do Garagem.

Dono de um legítimo e indomável espírito punk, o Leo é hoje um quarentão ainda magro e despojado, formado em jornalismo e mestre em Artes Visuais, curador de exposições, apresentador de rádio, produtor de festas e escritor, dentre outras tantas atividades para as quais seja necessário mais peito do que vocação, mais ímpeto do que talento, mais instinto do que certeza. Continua seguindo à risca o do it yourself e mandando bem em tudo que faz.

Para concluir A Fantástica Fábrica, ele se recolheu a São José dos Ausentes, o lugar mais gélido do Rio Grande do Sul. Voltou de lá com um relato incandescente sobre as noites que gerenciou, os bêbados que aturou, os perrengues contornados e incontornáveis, a falência sempre iminente, enfim, uma memória vívida dos anos em que aquele casarão insalubre fez da vida dele e de muitos convivas um mausoléu de trepadas inesquecíveis, porres homéricos, um desfile freak dos mais inverossímeis personagens do way of night life porto-alegrense.

O melhor é que é tudo verdade. E que o Leo se lembrou para contar. É a soberania dos fatos sobre as lendas. O Leo não poupa ninguém, nem ele próprio. É drogas, sexo e rock’n’roll da primeira à última página, um retrato escarrado de uma virgindade descabaçada a fórceps por uma juventude que queria tudo ao mesmo tempo agora. Porteiros, habitués, seguranças, os sócios e os detratores, o dono da barbearia abaixo e o tiozinho de chambre que vez por outra irrompia a festa. Os vizinhos que jogavam ovos e água fervendo na vã tentativa de diminuir o barulho. Os fiscais da prefeitura com medidores de ruído em punho. Os traficantes e os ladrõezinhos. O playboy e a putinha. O Edu K e seus clones. O Júpiter Maçã e seus seguidores. Os artistas gráficos, os intelectuais, os cineastas e a repórter de TV corrida aos gritos de gorda. Se não deixa saudades nem arrependimentos, o Garagem Hermética deixa ao menos um legado. De que a noite pode ser uma festa que nunca termina, um lugar legal pra mim dançar e me escabelar, com gente legal e cerveja barata, onde as pessoas sejam mesmo afudê. Um lugar do caralho. O Leo conseguiu. Eternizou em letra de forma essa odisseia onírica que habitou aquelas noites intermináveis. Acabou-se. E um pouco de nós acabou-se com elas. Embora eu nunca tenha pisado lá.

P.S.: Pra arrematar, A Fantástica Fábrica tem ilustrações de Diego Medina e prefácio de Daniel Galera. Imperdível.

Fino traço

Posted in Balaio pop on março 15, 2014 by Schaffner

Liniers, um documentário

Twin Peaks

Posted in Balaio pop on fevereiro 25, 2014 by Schaffner

Trilha sonora do apocalipse

Posted in Balaio pop on janeiro 23, 2014 by Schaffner

Luiz Carlos Merten, crítico de cinema do Estadão, escreveu sobre Metallica Through the Never, o filme de Nimrod Antal sobre o Mettalica. Ambientado num futuro distópico, o filme parece meio over. Mas a sonzeira é demais. Veja os dois trailers do filme e o texto do Merten .

Luiz Carlos Merten – O Estado de S. Paulo

Fãs de rock vão ficar de fôlego acelerado com o filme de Nimrod Antal sobre o Mettalica. Você sabe quem é ele – o diretor de Predadores, com Alice Braga e Adrien Brody. Antal propõe agora um documentário nas bordas da ficção – ou vice-versa – sobre a banda, uma das mais populares e influentes da história do rock.

A trilha sonora do longa concorre em uma categoria no Grammy, que acontece no próximo domingo.

O filme soma material de arquivo e imagens e sons colhidos numa apresentação ao vivo, numa arena lotada. O formato é 3-D, o que ajuda a tornar tudo mais espetacular. E é um achado a tiete (Dane DeHaan) que persegue os integrantes da banda, numa trama futurista/apocalíptica. Ok, nem tudo é convincente, ou melhor, nada é muito convincente, mas como experiência visual e sonora enche os olhos e arrebenta os tímpanos. Some Kind of Monster, faixa deSt. Anger que virou título de documentário (em 2004), é o apocalipse now do Mettalica.

 

Bowie &Pixies

Posted in Balaio pop on novembro 1, 2013 by Schaffner

O Matias lá no Trabalho Sujo levantou uma lebre interessante: e se o David Bowie excursionar com o Pixies de banda de apoio? O prórpio Franck Black teria cogitado essa hipótese na entrevista abaixo:

Pior é que faz todo o sentido. O Matias até publicou junto uma entrevista na qual o Bowie se diz fã do Pixies, comparando a banda ao Velvet Underground. Agora escuta só essa  música do último disco do camaleão e me diz se ela não é puro Pixies?

 

Lou morreu observando as árvores

Posted in Balaio pop on novembro 1, 2013 by Schaffner

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A carta da Laurie Anderson, publicada pelo jornal “East Hampton Star”, do Estado de Nova York, contando os últimos momentos de Lou Reed:
“Aos nossos vizinhos: que outono lindo! Tudo brilhando e dourado e toda aquela incrível luz suave. Água ao nosso redor. Lou e eu passamos muito tempo aqui nos últimos anos e, embora sejamos pessoas da cidade grande, esse é nosso lar espiritual. Na última semana, eu prometi a Lou que o tiraria do hospital e voltaria com ele para casa, em Springs. E conseguimos! Lou era um mestre do tai chi e passou seus últimos dias aqui sendo feliz e atordoado pela beleza e pelo poder e pela suavidade da natureza. Ele morreu no domingo, observando as árvores e fazendo a famosa posição 21 do tai chi, com apenas suas mãos de músico se mexendo no ar. Lou era um príncipe e um lutador, e eu sei que suas canções de dor e beleza no mundo vão encher muitas pessoas com a incrível alegria que ele tinha pela vida. Vida longa à beleza que descende e atravessa e sobrevoa todos nós.”

St Justice

Posted in Música on outubro 9, 2013 by Schaffner

Partner

Posted in Gente estranha on outubro 8, 2013 by Schaffner

Pessimismo

Posted in Estado de espírito on outubro 8, 2013 by Schaffner

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Josh & Arctic

Posted in Música on outubro 4, 2013 by Schaffner

 

Beer journalism

Posted in Estado de espírito, Jornalismo on setembro 14, 2013 by Schaffner

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Um grande amigo, e mestre no jornalismo, o Altair Nobre, lançou um projeto sensacional. É a Beer Art, uma revista sobre cerveja. Tem assunto melhor? A convite do Altair, estou escrevendo algumas matérias para a próxima edição. Neste sábado, eu tive na Cidade Baixa provando a Cidade Baixa em Alta, cerveja produzida pela associação de comerciantes do bairro e lançada durante um piquenique no Museu Joaquim José Felizardo.  Foi a mais recente iniciativa do movimento para revitalizar a região. E tava muito legal, com show em tributo ao Johhny Cash, galera sentada no gramado e a Red Ale dos caras fazendo sucesso no entardecer. Na Beer Art eu conto o resto dessa história.

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Messenger live

Posted in Música on setembro 4, 2013 by Schaffner

Show na íntegra do Johnny Marr no Glastonbury deste ano, tocando o discaço que é The Messenger, pra mim um dos melhores lançamentos de 2013.